Geralmente, as retrospectivas que escrevo religiosamente são de fluída escrita: as palavras e acontecimentos dançam no teclado. Mas 2020 foi inesperado e, em certa medida, indescritível. Pegou-me desprevenida - assim como o restante da humanidade. Aterrorizou-me e, concomitantemente, foi muito gentil comigo e com aqueles que amo.
Comemorei a chegada do ano de 2020 em Búzios. Na primeira parte da noite, cantei feliz aniversário para a minha mãe na presença de alguns de seus amigos. Em seguida, poderia ser encontrada mais bêbada que o batman deitada em uma espreguiçadeira da piscina de uma mansão. Minhas amigas me levaram para o quarto e, no dia seguinte, descobri que a mão e o tecido que senti em minha cara de madrugada eram, na verdade, uma mão vomitada e uma tentativa de limpeza do estrago. A vodka me impediu de sentir nojo. A noite foi ótima, está guardada no baú de histórias para contar e momentos para recordar. Como todo verão, passei alguns dias na casa de praia de minha bisavó e, desta vez, aprendi a apreciar uma cervejinha gelada. Descobri que noites na companhia de grandes amigas assistindo a bons filmes no cinema são melhores que dates com pessoas que não lhe valorizam o suficiente. Bebi muito mate caseiro na casa da Catha. Encontrei o Ministro Marco Aurélio no mercado e ele quase me atropelou com o carrinho de compras. Passei na prova prática do Detran e consegui tirar minha carteira de motorista sem perder um ponto sequer - o que fazia meu pai afirmar diariamente que "o trabalho do Detran não pode ser sério", pois, à época, eu dirigia bem mal (digamos que as avaliadoras foram muito gentis e eu soube lidar com a ansiedade). Fui no festival Spanta de graça e dancei muito ao som de Pitty, Bello, Luan Santana e Kevin O Chris, ao lado de minha mãe e madrinha. Eu, vascaína, fui a um jogo do Fluminense cantando músicas da torcida organizada do clube com amigos da faculdade - que depois me protegeram do quebra-quebra fora do estádio. Assisti muito BBB - e, no fatídico paredão contra a Manu Gavassi, torci para o Prior (não me orgulho). Fiz um curso de férias em mediação. Fui em uma watch party do Oscar. Conheci meus calouros, dei trote (por mais que fosse muito preguiçosa para participar das dinâmicas em si) e compareci ao churrasco de recepção. Recebi por um dia em minha casa a Maya, irmã da Dana, minha amiga-irmã israelense. Desfilei e estive em um camarote da Sapucaí pela primeira vez na vida com as melhores companhias do mundo. Ambas as noites foram mágicas e, certamente, não havia na avenida alguém mais feliz que eu. Fui à Feira de São Cristovão com francesas e belgas. Assisti à Orquestra Sinfônica Brasileira no Teatro Municipal - vestindo um jeans e uma camiseta suada (obrigada, Gui). Fui aceita para ser monitora de Teoria do Direito, matéria tão importante para meu crescimento acadêmico e pessoal. Tive que reformular meus planos, a visita à capital norte-americana teria que aguardar devido aos perigos do coronavírus - que já se instalara no norte global. Realizei uma apresentação teatral na escola que detestava no auge de meus 13 anos. Visitei uma amiga no hospital no período pós-cirúrgico. Conheci e participei de uma roda de conversa privada com o Ministro Luís Roberto Barroso e sua filha Luna no dia 13 de março - o fatídico dia em que o Brasil parou devido ao coronavírus. Logo neste fim de semana, ainda sem entender a real dimensão da situação sanitária, fui a uma festa de aniversário e fiz um trabalho na casa de um amigo. A partir de então, iniciou-se meu período de quarentena. Uma manhã qualquer do início da pandemia poderia ser resumida a acordar cedo, assistir às aulas online no Zoom e cozinhar ao meio-dia macarrão ao pesto com meu pai (apenas vê-lo em uma manhã normal de minha rotina pré-pandemia seria impensável, logo, cozinhar e comer ao seu lado era muito diferente e encantador - ainda mais nos primeiros meses de quarentena). Minhas únicas saídas - mais conhecidas como sopros de ar fresco no dia-a-dia - eram para visitar minha mãe e levar minha cachorrinha na rua para fazer xixi de madrugada. Filmes e séries foram fiéis escudeiros nesse processo, a mais marcante para mim no início da pandemia foi Modern Love - eu acabara de me aventurar no universo Amazon Prime - e, ao final, Gambito da Rainha. Comi muito chocolate. Apaixonei-me pela disciplina de Teorias da Justiça. Meu pai pegou Covid-19 logo no início do confinamento, quando não haviam muitas informações. Fiquei com muito medo, mas tudo correu bem, graças a Deus (hoje em dia temos quase um stand up comedy sobre os acontecimentos desse período). Assisti lives da Marília Mendonça. "Completei" um quebra cabeça - entre aspas, pois veio faltando uma peça. Comparecia a aulas de francês três vezes na semana. Ganhei um carro lindo e fui, aos poucos, aprendendo a dirigir melhor. Mesmo à distância, encontrei minha verdadeira tribo na faculdade, integrei-me a um grupo de pessoas que muito admiro. Participei de um projeto para mapear medidas de enfrentamento à Covid-19 por parte do Poder Público, iniciativa privada e sociedade civil dos estados brasileiros e dos quatro cantos do globo - pesquisei o Pará e o Japão. Tal trabalho foi posteriormente publicado como e-book. Contei com muita ajuda para tirar boas notas na disciplina de Ciências de Dados Jurídicos. Fiz aniversário na quarentena com direito a visitas ao longe, presentes, vídeos de recadinhos, chamadas no Zoom e, posteriormente, carne com molho gostoso e batatinhas igualmente gostosas. Flexibilizei um pouco a quarentena e fui à casa de praia de minha bisavó, vendo-a, finalmente. Encontrei minhas amigas ao longe, de máscara, em uma garagem arejada. Assisti Hamilton umas 5 vezes - 3 delas com meu pai. Fundei a Sociedade Literária, o clube do livro de minha universidade, e tivemos 3 reuniões ao decorrer do ano (com Mário Machado, Carolina Alves e Danielle Rached). Doei meu cabelo, cortando-o curtinho pela primeira vez em anos. Participei da formação de uma chapa para competir às eleições do Centro Acadêmico de minha universidade e venci - com recorde de votos, tornando-me Presidente. Ouvi muito Folklore da Taylor Swift. Passei a comparecer em aulas de francês 4 vezes na semana, aprimorando muito o idioma. Realizei sabatinas eleitorais com candidatas à Prefeitura de minha cidade: Delegada Martha Rocha e Glória Heloíza. Vivenciei primeiras vezes. Organizei um Roda-Viva com o Ma´rio Bittencourt, atual presidente do Fluminense. Saí para comer fora. Fui a duas resenhas na casa de amigas quando o número de casos encontrava-se sob controle. Fui aprovada na prova de seleção do programa de intercâmbio da Sorbonne.Votei nas eleições municipais. Um de meus melhores amigos mudou-se para São Paulo à trabalho. Compareci a plantões realizados pelo Centro Acadêmico - alguns como mediadora, outros como ouvinte. Tomei muito smoothie de amora. Fui a uma festa de três dias em uma casa estilo BBB. Viajei para Gramado (cidade Evermore vibes). Estive pela primeira vez na Serra Gaúcha e me apaixonei. Visitei um parque de diversões. Encantei-me pelas ruas iluminadas, catedrais majestosas, jardins floridos, lagos deslumbrantes e pelas muitas hortênsias. Tomei muito vinho na vinícola - furtei dela uma uva. Curti dias maravilhosos com a minha família - vivendo quatro estações em um só dia. Julguei Porto Alegre uma cidade cinza vista da janela do Uber. Li meu primeiro livro em francês. Tive medo de não poder comemorar o Natal ao lado de minha família, mas, no fim, deu tudo certo.
No fim, deu tudo certo. Sobrevivi. Sobrevivemos. Estamos bem. Vivemos bem. Tudo graças a Deus.
Deus é bom, o tempo todo. O tempo todo, Deus é bom.
Esses foram os livros que me acompanharam nessa jornada:
Lidos em 2020 📚
1- Fazendo meu Filme (Lado B)
2- Pequenos incêndios por toda parte
3- Mulheres, raça e classe
4- Amarelo e ilusão
5- Falando com estranhos
6- A coroa, a cruz e a espada
7- Lugar de fala
8- Minha história
9- O retrato de Dorian Gray
10- Olhos d'água
11- Os sete maridos de Evelyn Hugo
12- Os homens explicam tudo para mim
13- Náufragos, traficantes e degradados
14- O voto feminino no Brasil
15- O estrangeiro
16- Daisy Jones and The Six
17- Cleópatra
18- O senhor das moscas
19- Fique comigo
20- Americanah
21- O que ela sussura
22- Blink
23- O flâneur
24- Dans le jardin de l'ogre
25- Capitães da areia